Crioterapia elimina vírus em plantas de abacaxizeiro
Metodologia associa o congelamento celular ao cultivo de estruturas em tamanho reduzido da planta e surge como alternativa de limpeza clonal de vírus para abacaxizeiros no Brasil e no mundo
Inovação

Um protocolo que se baseia no congelamento de células
(crioterapia) foi desenvolvido pela Embrapa pela primeira vez para a cultura do
abacaxizeiro visando a remoção do complexo viral da murcha Pineapple Mealybug
Wilt-Associated Virus (PMWaV), transmitido pela cochonilha Dysmicoccus
brevipes, uma doença que pode impactar muito o cultivo. Esse protocolo se
baseou em técnicas de criopreservação dessa fruteira, estabelecidos
anteriormente em parceria com o National Center for Genetic Resource and
Preservation (NCGRP /Usda), que pertence ao Departamento de Agricultura dos Estados
Unidos.
O vírus é a doença mais importante da cultura em todo o
mundo, uma vez que as variedades mais difundidas da planta (Smooth Cayenne e
MD12) são altamente suscetíveis a ele. Cientistas de diversas instituições de
pesquisa dedicam-se a desenvolver cultivares resistentes. No entanto, até o
momento não se conhece fonte de resistência a esse vírus.
A nova metodologia recorre ao congelamento celular em
associação ao cultivo de ápices caulinares (estrutura que possibilita a geração
de uma nova planta) em tamanhos bem reduzidos e surge como uma alternativa
importante, para a cultura em todo o mundo, de limpeza clonal do vírus da
murcha. A expectativa é que o protocolo seja também adotado na rotina de
biofábricas, com produção de mudas sadias.
BRASIL
No Brasil, onde a variedade preferida pelo consumidor e pelo
produtor é a Pérola, a doença mais importante é a fusariose, também conhecida
por gomose ou resinose, causada pelo fungo Fusarium guttiforme, que acarreta
danos severos aos frutos, inviabilizando a sua comercialização. Mas a murcha
tem ganhado importância para a pesquisa no País nos últimos anos.
Na busca por variedades resistente à fusariose, o Programa
de Melhoramento Genético de Abacaxi gerou três híbridos (BRS Ajubá, BRS
Imperial e BRS Vitória) resistentes a
essa doença, mas suscetíveis à murcha do abacaxizeiro, provável herança do
Smooth Cayenne, um dos parentais usados na hibridação. “Buscar soluções para a
murcha também é muito importante”, afirma a pesquisadora da Embrapa Mandioca e
Fruticultura (BA) Fernanda Vidigal Duarte Souza.
MUDAS SADIAS
A propagação do abacaxizeiro é vegetativa, o que favorece a
disseminação de doenças, incluindo as viroses. O ideal é o plantio de mudas
produzidas a partir de matrizes sadias
ou de mudas obtidas em biofábricas que utilizem técnicas de
micropropagação. Entretanto, o produtor muitas vezes dá preferência a mudas de
campo, mais baratas, de acesso mais fácil, mas sem nenhuma garantia de
qualidade sanitária. “Mudas sadias são fundamentais para o controle tanto da
fusariose quanto da murcha associada à virose”, afirma o também pesquisador da
Embrapa Domingo Haroldo Reinhardt.
Segundo o pesquisador Eduardo Chumbinho de Andrade,
responsável pelo Laboratório de Virologia da Embrapa Mandioca e Fruticultura,
como não existem sintomas visuais no fruto, em geral a doença é pouco percebida
pelo produtor: “O que acontece é um desempenho pior da planta. Os frutos,
muitas vezes, são menores e têm menor valor de mercado. Ou seja, na
classificação do fruto, ele perde por qualidade. A murcha é um problema difícil
porque envolve vírus e uma cochonilha, um inseto que, além de transmitir o
vírus de uma planta para outra, também é praga. E, mesmo que o produtor consiga
controlar a cochonilha, pode ainda não perceber a murcha na área”.
No caso da murcha, ocorre um complexo viral, uma vez que
existem três tipos de vírus e é possível encontrar na planta o tipo 1, o tipo
2, o tipo 3 ou associações entre eles. “A teoria da cultura de tecidos diz que,
ao se introduzir um tecido meristemático in vitro e resgatar aquela planta,
consegue-se eliminar o vírus, mas percebemos que, em abacaxi, não funciona
exatamente assim. O vírus fica localizado em uma região do tecido meristemático
muito próximo às células mais adensadas, então é preciso fazer um trabalho um
pouco diferente”, explica Fernanda. Tecidos meristemáticos são de origem
embrionária, constituídos por conjuntos de células que têm a capacidade de
sucessivas divisões e ocorrem em órgãos de crescimento.
USO COMERCIAL
O engenheiro-agrônomo Herminio Souza Rocha, analista do
Setor de Gestão de Transferência e Tecnologia da Embrapa Mandioca e
Fruticultura, espera que, em breve, a metodologia possa ser incorporada à
rotina de biofábricas. “A probabilidade de mais uma tecnologia para a limpeza
clonal do vírus da murcha é de extrema importância para a cultura do
abacaxizeiro, tanto no Brasil quanto no mundo inteiro. Produzir mudas
micropropagadas para fazer um banco de matrizes que pode ser recontaminado com
o vírus da murcha ou utilizar material de plantio que não foi indexado ou limpo
é um risco muito grande para o processo produtivo”, diz.
Segundo Alexandre Drefahl, da Clona-gen Biotecnologia
Vegetal, empresa licenciada para produzir e comercializar mudas dos abacaxis
BRS Ajubá, BRS Imperial e BRS Vitória, a limpeza viral é bem difícil, exige
técnica e bastante critério. “É preciso um protocolo bem ajustado para
conseguir recuperar a planta a partir de uma porção de tecido muito pequena”,
afirma. A Clona-gen utiliza a termoterapia no processo de produção de mudas –
um processo totalmente oposto à crioterapia – em que o material é cultivado
numa condição de temperatura alta e bem controlada por 15 dias. Se a
crioterapia permitir a obtenção um explante um pouquinho maior ou a redução
desse tempo seria muito interessante”, salienta. Explante é um pequeno
fragmento de tecido vivo das plantas para ser cultivado em meio artificial.
TESTES MOLECULARES
É no Laboratório de Virologia que são feitos os testes
moleculares para confirmar a presença dos três vírus. Também conhecido por
indexação, o processo baseia-se na ampliação e detecção do material genético
dos vírus dentro da planta, por meio do equipamento PCR em Tempo Real, o mesmo
usado para detecção do coronavírus. “Testamos antes que o material seja
introduzido in vitro e depois que acontece todo o processo de crioterapia e
aclimatação. Ou seja, depois que a planta regenera, testamos de novo para saber
se, de fato, o vírus foi eliminado”, destaca Andrade.