Tecnologia anterior ao plantio
Com base em inteligência artificial, cientistas combinam imagens multiespectrais com raios X para analisar atributos de qualidade de sementes
Inovação

Pela primeira vez, cientistas usaram a combinação de imagens
multiespectrais e radiográficas para analisar atributos de qualidade de
sementes. A nova metodologia é baseada em inteligência artificial e permite
automatizar e tornar mais eficiente o processo de análise da qualidade de
sementes, obtendo resultados mais precisos, com menor índice de subjetividade e
em tempo real.
A pesquisa envolveu cientistas do Centro de Energia Nuclear
na Agricultura da Esalq (Cena/USP), da Embrapa Meio Ambiente (SP) e da
Universidade Técnica de Aarhus (AU), na Dinamarca. No estudo, os pesquisadores
utilizaram como modelo a Jatropha curcas, oleaginosa popularmente conhecida
como pinhão-manso, variedade que possui relevante importância econômica por sua
aptidão na produção de biocombustíveis, alimentos e rações. Segundo os autores,
a técnica utilizada pode ser adaptada e empregada a sementes de outras
culturas.
RÁPIDO E PRECISO
De acordo com Clíssia Barboza da Silva, do Cena/USP, as
maiores vantagens são, principalmente, a rapidez e a precisão. Enquanto o
método convencional requer cerca de uma semana para obtenção dos resultados, a
análise de imagens demanda apenas alguns segundos. A pesquisadora conta ainda
que, na avaliação convencional, a análise é feita de forma visual e depende da
interpretação do analista, sendo, portanto, subjetiva. Já no caso da análise de
imagem, o resultado é dado de forma automatizada, garantindo maior precisão.
Silva também enfatiza o fato de o método não ser destrutivo.
“Nos métodos convencionais, como o teste de germinação, por exemplo, é preciso
destruir a amostra para avaliação da qualidade das sementes, monitorando o seu
desempenho no teste. Já na análise de imagens, as sementes permanecem intactas
no fim do teste, podendo posteriormente serem utilizadas”, compara.
Isso torna possível analisar mais amostras e fornecê-las aos
agricultores com maior garantia de qualidade e potencial de produtividade. Além
disso, a cientista revela que o método desenvolvido não gera resíduos, já que a
análise de imagens não requer o uso de reagentes especiais, sendo, portanto,
ambientalmente mais sustentável
COMO FUNCIONA
As sementes foram expostas à luz sequenciada em diferentes
comprimentos de onda, em ambiente integrado com sistemas de computador e
sensores, para o reconhecimento dos parâmetros físico-químicos e vigor das
amostras.
O analista da Embrapa Gabriel Mascarin conta que as duas
técnicas são complementares, pois cada uma atinge determinadas áreas das
sementes. Na análise qualitativa, segundo ele, a imagem espectral é mais
eficiente ao verificar a textura, os atributos físicos e químicos associados a
danos por insetos, infecções fúngicas e outros. Contudo, ele explica que essa
técnica apresenta limitação ao não atingir os tecidos do interior das sementes.
Já a imagem de raios X demonstrou grande potencial para coletar
dados de estruturas internas, como danos no embrião e endosperma. “Os raios X
são ondas eletromagnéticas curtas, que variam de 0,01 a dez nanômetros (nm), e
possuem alto poder de penetração”, detalha.
O grupo testou imagens multiespectrais e de raios X em
comparação com métodos analíticos convencionais. A pesquisa incluiu a aplicação
de um algoritmo de aprendizagem de visão de máquina que apresentou alta
precisão para prever a capacidade de as sementes produzirem plântulas normais,
plântulas anormais e sementes mortas. O sistema alcançou uma acurácia superior
a 96% quando foram utilizados dados de reflectância no infravermelho próximo
(940 nanômetro) e classes de imagens de raios X.
Os resultados obtidos com o uso combinado das tecnologias
apresentaram alta correlação com os dados gerados nos métodos analíticos
tradicionais, utilizados para avaliação do potencial fisiológico de sementes,
revelando ser uma técnica promissora voltada ao controle da qualidade de
sementes de interesse agrícola.
A pesquisadora Silva, que liderou o projeto, informa que
foram avaliados o desempenho de três lotes, utilizando métodos analíticos
convencionais: testes de germinação e vigor. Ao mesmo tempo, foram realizadas
análises de imagens multiespectrais e raios X das sementes de cada lote. Um
método estatístico, com base em análise multivariada foi aplicado aos dados
multiespectrais para identificação dos comprimentos de onda mais significativos
para distinguir os lotes de sementes (780, 850, 880, 940 e 970 nanômetros).
PUBLICAÇÃO CIENTÍFICA
Alguns resultados do trabalho foram publicados no artigo
Multispectral and X-ray images for characterization of Jatropha curcas L. seed
quality, assinado pelos pesquisadores Vitor de Jesus Martins Bianchini do
Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura “Luiz de
Queiroz”/Universidade de São Paulo; Gabriel Moura Mascarin do Laboratório de
Microbiologia Ambiental da Embrapa Meio Ambiente; Lúcia Cristina Aparecida
Santos Silva, Clíssia Barboza da Silva e Valter Arthur do Laboratório de
Radiobiologia e Ambiente do Centro de Energia Nuclear na
Agricultura/Universidade de São Paulo; Jens Michael Carstensen da Universidade
Técnica da Dinamarca; e Birte Boelt do Departamento de Agroecologia, Ciência e
Tecnologia/Universidade de Aarhus, Dinamarca.
Em geral, as sementes de alto vigor tinham menor
reflectância de ondas e essa reposta foi associada ao maior conteúdo de
componentes químicos nas sementes (lipídios) que absorviam a luz emitida pelo
equipamento e, por essa razão, refletiam menos. Nas imagens radiográficas,
essas sementes estavam totalmente preenchidas internamente com tecidos
saudáveis, característica relacionada à produção de plântulas normais.
Por outro lado, sementes de baixo vigor apresentaram alta
reflectância e as imagens radiográficas revelaram ausência de tecidos internos,
ou a presença de tecidos deteriorados, correlacionados com a formação de
plântulas anormais ou de sementes mortas no teste de germinação.
“Os impactos previstos são todos positivos e incluem seleção
de lotes mais vigorosos de sementes que, por conseguinte, produzirão plântulas
mais saudáveis e com estandes uniformes. Todas as culturas produzidas por meio
de sementes poderão se beneficiar com essa tecnologia”, acredita Mascarin.
LUZ ADAPTADA A CADA TIPO DE SEMENTE
Para Silva, essa descoberta gera conhecimento sobre o tipo
de luz mais adequado para análise multiespectral da qualidade de sementes de
pinhão-manso (ao lado, foto da planta do pinhão-manso), ou seja, o
infravermelho próximo na faixa de 780 a 970 nanômetros. A partir desse dado, as
empresas de sementes poderão adquirir equipamentos que possuam esse tipo de luz
para distinguir lotes de sementes de maior e menor vigor. Ela ainda pondera
que, para cada espécie e cultivar de semente, pode existir um tipo de luz e
conjunto mais apropriado de comprimentos de onda que possibilite essa distinção
por meio da análise de imagens multiespectrais. “Em suma, todas as sementes são
passíveis de exploração com essa tecnologia rápida, automatizada e não
destrutiva”, explica a cientista.
INDÚSTRIA
Na indústria, o desenvolvimento de métodos não destrutivos
para o controle rápido e preciso da qualidade de sementes ainda é um desafio e
os resultados alcançados indicam que essas novas tecnologias podem ser
ferramentas potenciais em breve, de acordo com os pesquisadores.
As análises de imagens multiespectrais também possibilitam
distinguir precocemente sementes sadias daquelas que estão infectadas por
patógenos, o que assegura a qualidade fitossanitária desse importante insumo.
Outra possibilidade avaliada pelos cientistas é a construção de equipamentos
contendo apenas tecnologia de infravermelho próximo para análise de sementes,
oferecendo ao mercado sistemas de menor custo.
Conforme explica o responsável técnico do Laboratório de
Análises de Sementes da empresa ISLA, Israel Machado, essas novas abordagens
tecnológicas contribuem para aprimorar a exatidão, a duração e o custo de
análise. “De forma geral, isso proporciona melhores resultados, o que beneficia
os envolvidos na realização das análises e os usuários das sementes, ou seja,
contribui direta e indiretamente para melhorar a qualidade da produção
agropecuária”, declara.