O futuro do Brasil no mercado de carbono
Quais oportunidades batem à porta? O que ainda falta para nos aproximarmos delas? E como o Brasil deve se posicionar?
Sustentabilidade

A sigla ESG (ambiental, social e governança, em inglês)
entrou na rotina das organizações, sendo hoje o guia para definir metas de
sustentabilidade, em um contexto de crescimento das preocupações com o
aquecimento global.
A divulgação do mais recente relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão integrante da ONU,
apontando para a irreversibilidade dessas mudanças, a elevação das temperaturas
médias globais e a possibilidade de ocorrerem eventos climáticos mais extremos,
acendeu um alerta na sociedade, que pressiona as empresas e os governos a
tomarem uma atitude.
Diante desses desafios, quais oportunidades batem à porta? O
que ainda falta para nos aproximarmos delas? E como o Brasil, gigante do
agronegócio, deve se posicionar? Essas são algumas das principais questões que
iremos abordar neste artigo.
POTENCIAL DE CRESCIMENTO DO MERCADO DE CARBONO
Como definido pelo Protocolo de Kyoto, assinado em 1997 e
que buscava a criação de metas de redução das emissões de gases do efeito
estufa (GEE) para mitigar as mudanças climáticas, os países poderão comprar
créditos de carbono visando a sua neutralidade (Net Zero).
Contudo, as regras do mercado de carbono ainda não foram
consolidadas, deixando uma lacuna no arcabouço regulatório sobre como países e
empresas conseguirão atingir suas metas compulsórias.
No Acordo de Paris, assinado em 2015, os grandes avanços
foram na definição: do que será esse mercado e das metas de redução voluntária
de emissões também para países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, que
tinham ficado de fora dos primeiros acordos.
MAIOR PRESSÃO EM GLASGOW
Em novembro, foi realizada a 26ª Conferência das Partes
(COP26), em Glasgow, na Escócia. Os países signatários do Acordo de Paris se
reuniram para, mais uma vez, discutir as mudanças climáticas, com a
possibilidade de um consenso sobre o Artigo 6º do tratado que regula o mercado
de carbono.
Com as diretrizes regulatórias globais definidas, países e
empresas poderão negociar seus créditos e evitar ou mitigar as projeções
alarmantes do aquecimento global.
No Brasil, existe a intenção de se colocar em votação na
Câmara dos Deputados, logo após a COP26, o Projeto de Lei que prevê a criação
de um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), fornecendo as
diretrizes para a criação e regulação do mercado de carbono nacional.
PANORAMA GERAL
A mercantilização do carbono surgiu com o objetivo de
permitir que o custo das emissões de gases do efeito estufa (GEE) sejam
internalizados, ou seja, que as empresas e governos se responsabilizem por um
efeito negativo da sua atuação que hoje traz custos a toda a sociedade.
O mercado de carbono já é uma realidade em países como os
Estados Unidos e no continente europeu e está sendo regulado mediante normas locais.
O Brasil, como país em desenvolvimento, não foi chamado a se comprometer com
uma meta obrigatória no Protocolo de Kyoto, mas assumiu de forma voluntária o
compromisso com algumas pautas de reduções no Acordo de Paris.
Considerando a moeda do mercado de carbono, o crédito
equivale a 1 tonelada equivalente não emitida na atmosfera e seu valor é dado a
depender de uma série de fatores, como a qualidade do projeto, as metas em
relação à oferta e demanda e até as próprias metas sugeridas pelo país em que
ele foi gerado.
CRÉDITO DE CARBONO NO AGRONEGÓCIO
O Brasil tem um papel estratégico nesse mercado, como
detentor da maior floresta do mundo e mais de 66% do território nacional
preservado. Como bem descrito em nosso Hino Nacional, é um “gigante pela própria
natureza”, e tem na Amazônia um dos seus maiores ativos.
Outro fator relevante é que sua matriz energética é
predominantemente renovável — graças à geração de energia hidroelétrica,
eólica, solar e proveniente da biomassa (seja vegetal, quando se usa o bagaço
de cana de açúcar, por exemplo; ou animal, oriunda de dejetos).
Além disso, como um dos maiores provedores de alimentos do
mundo, o Brasil tem buscado uma agropecuária competitiva e sustentável, na qual
ciência, tecnologia e inovação são peças fundamentais para o desenvolvimento de
uma economia de baixo carbono, com potencial de gerar créditos por meio de boas
práticas.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
Além de ser capaz de neutralizar suas emissões, o
agronegócio sequestra carbono. De acordo com o Fórum Econômico Mundial,
técnicas utilizadas na agricultura de baixo carbono, como plantio direto,
adubação verde, rotação de culturas e manejo de pastagem, auxiliam na fixação
de carbono no solo e são elegíveis à geração dos créditos. O Brasil pode ocupar
um lugar de destaque na agricultura sustentável e se beneficiar do mercado de
créditos de carbono. Mas terá que lidar com desafios importantes nesse caminho.
O país tem evoluído na adoção de tecnologias que viabilizam
redução de custos, aumento de produtividade e descarbonização. Institutos de
pesquisas, empresas e startups estão se dedicando às inovações, mas para
capturar esses benefícios, a aplicação em larga escala de técnicas de remoção e
redução das emissões requer avanços na tecnologia e na conectividade no campo.
A exemplo da utilização de drones e georreferenciamento para monitorar as
propriedades, permitindo uma adubação eficiente nos locais de maior necessidade
da fazenda, para reduzir uso de produtos sintéticos, entre outras ações.
Economias do mundo todo já estudam implantar a taxação de
produtos estrangeiros mais poluentes, que terão que apresentar seu inventário
de emissão de carbono e serão taxados caso não cumpram os critérios limítrofes
determinados. É o caso da União Europeia que, em seu Mecanismo de Ajuste de
Fronteira (CBAM, do inglês Carbon Border Adjustment Mechanism), anunciou a
criação de uma tributação sobre produtos importados que não sigam padrões
ambientais restritivos, como os fertilizantes.
Nesse sentido, a agricultura brasileira precisará avançar na
transparência, na comunicação e nos acordos comerciais para continuar como uma
das líderes nas exportações de alimentos e buscar alternativas mais
sustentáveis para não ter perdas ambientais e de competitividade. Em outro
eixo, a responsabilidade de frear o aumento do desmatamento das florestas
nativas também será, cada vez mais, cobrada do Brasil.
Grandes empresas e cooperativas do agronegócio (de grãos,
proteína animal, laticínios, insumos agrícolas, entre outras) anunciaram seus
compromissos para alcançar à neutralidade em carbono nos próximos anos. Essas
empresas se propuseram a eliminar o desmatamento, alterar sua matriz energética
para fontes renováveis, focar originação dos produtos produzidos de maneira
sustentável, otimizar seus processos internos, investir em novas soluções que
reduzam suas emissões e bonificar funcionários que atinjam as metas de
sustentabilidade. Isso muitas vezes requer uma mudança no modelo de negócios. A
tecnologia e a visão integrada entre os processos e elos da cadeia e mecanismos
corretos de medição e incentivos são fundamentais.
Também é interessante destacar os possíveis incentivos que
podem surgir para o produtor rural, como a geração de créditos de carbono sobre
áreas de reserva legal, passíveis de integralizar projetos de redução de
emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação
florestal.
O processo de transformação no agronegócio é fundamental e
benéfico, e o Brasil tem tudo para ser mais do que um grande celeiro para
alimentar o mundo. É papel do agro brasileiro, também, trazer ganhos ambientais
significativos ao país e à sua sociedade.
Sobre a autora:
Daniela Sampaio é sócia da EY na prática de Consultoria, com
foco na Transformação de Negócios para o setor do Agronegócio
Artigo completo no site do AgTechGarage:
https://www.agtechgarage.news/o-futuro-do-brasil-no-mercado-de-carbono/